quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Os ladrões da Cruz


Falar de cruz, a primeira imagem que surge é a de Jesus Cristo pendurado no madeiro, com os cravos nas mãos e nos pés derramando sangue. A segunda imagem, se conseguirmos ampliar o foco, é ver que ao lado de Jesus, no monte da caveira, no Gólgota, estão outros dois crucificados, homens maldosos, ladrões e réus confessos, cumprindo a sentença que por justiça lhes coube por determinados crimes.

No entanto, existe uma situação que é peculiar àquele momento, o dialogo entre os crucificados, de um lado a expressão da humildade, a qual faz um dos crucificados reconhecer o senhorio do Deus Crucificado, e isso lhe rende nos últimos minutos a salvação.

Do outro lado está uma figura que até os dias de hoje a ação daquele crucificado reverbera em nossos ouvidos, e se torna clara aos nossos olhos, que em tamanha estupidez e altivez, o condenado, que nada lhe restara mais, se não, morrer, grosseiramente desafia o crucificado do meio, se ÉS o Cristo então salva a Ti mesmo.

Esse individuo é a expressão de algumas caricaturas cristãs que caminham em nosso meio. São pessoas que submergiram em todo o processo cultural do cristianismo, elas freqüentam a igreja, falam o idioma ‘crentês’, anda como um crente, fala como um crente, enfim, tem todo tipo de comportamento de um crente, isto é, toda a mecânica, todo o externo é crente, mas o interno, as atitudes, a mentalidade caminha em uma outra via distante.

O símbolo máximo da submissão e devoção que pertinentemente nos faz caminhar pela via da autenticidade da vida cristã é a Cruz, na qual é operante um processo de mortificação, onde eu já não existo mais, e sim Cristo vive em mim. E essas pessoas até vão a Cruz, aceitam a coroa de espinhos, os pregos cravejam as mãos, cravejam os pés, isto é, a mentalidade (coroa na cabeça), seus feitos (mãos) e sua caminhada (pés) são condizentes com o evangelho, mas a diferença é que a lança ainda não perfurou o lado esquerdo, para vazar, para vir para fora tudo o que está dentro dele.

É uma classe de cristãos que a lança não terá vez, não existirá estampado a permissão para furar o lado, pois é do saber que tomar a cruz é um ato deliberativo, passa pela vontade, pelo querer, é preciso vontade para ir a cruz, aceitar os pregos, a coroa, e a lança, e essa classe de pessoas aceitam todos os passos, exceto a lança que traria mudanças interiores profundas.

E impedirão a lança por um motivo escandaloso, são roubadores, ladrões da glória. Feridas narcísicas não tratadas, frustrações pessoais, infância marcada pela inferioridade, auto-imagem comprometida, situações interiores que geram nesses indivíduos uma atitude de super compensação, isto é, vão lutar a todo custo para resolver um passado que nunca passou. Utilizarão do púlpito, da bíblia e do poder da palavra para autopromoção, na tentativa de dizer ao passado que agora são fortes, são vencedores.

São pessoas eternamente lutando no presente contra seu passado, contra a criança emocional que não cresceu, não superou, somente mudou os artefatos que outrora utilizava por aparatos de adulto, simplesmente trocaram os brinquedos. Sofrem da síndrome de Clark Kent, a síndrome de Super Homem, Super Crente, Super Pai, do SSSSuper. Tentam dizer a todo custo ao mundo quão grande são.

Quão pesaroso para tais seria perceber que a medida que tentam mostrar sua grandeza revelam sua pequenez, sua insensatez. Como o ladrão da Cruz que num ato de inabilidade existencial desafia o Autor da Vida, numa tentativa de dizer mais uma vez que ‘eu sou mais eu’, e que no último momento para sair da roda viva da repetição neurótica de sua vida, a qual por toda a sua vida se preocupou em dizer quem ele era, tamanha preocupação em dizer, que não conseguiu escutar quão pequeno era, e assim poder sustentar que ele sempre seria pó, essa seria a chave do seu cárcere emocional, que desataria as prisões e o colocaria em liberdade.

Não obstante, para os ladrões da Glória, super homens por fora, meninos feridos por dentro, toda a Glória seja ao próprio self, verdadeiras cisternas rachadas que não retém água, homens que estão ao lado da Fonte Viva, mas ininterruptamente sentem sede, sede de vida, de liberdade, de serem simplesmente eles mesmos.

Tornar a Ele toda a Glória, e não a si próprio a Glória, implica em assumir a condição de ferido, doente na auto-estima, e por mais dura que seja a serviz, ela precisará ser totalmente curvada, e com a disposição interna, dizendo SIM para a lança, a fim de que a mesma possa perfurar o lado, e assim colocar para fora toda água salgada e amarga, e esgotar todo o sangue, símbolo da própria vida, consolidando o verdadeiro morrer, e ser não um ladrão da Glória, mas um participante da Glória Divina e Eterna.

Pois de fato, somente a Ele toda a Glória!

Um comentário:

  1. Os parágrafos finais de seu texto me fizeram lembrar de algumas palavras e vida de uma mulher, cujo único ¨crime¨foi amar a Deus e, que disse SIM a lança. Amém. A Ele toda glória!

    ¨O pobre pecador, que se vê, vil e miservável, é, por assim dizer, forçado a detestar-se a si mesmo; e, vendo que seu estado é tão horrível, ele se lança, em seu desespero, nos braços de seu Salvador, mergulha na fonte de cura e sai dela branco como a neve.¨
    (pp.22 Autobiografia de Madame Guyon. Ed.dos Classicos)

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